A Medalha Anchieta
Obituário no Objetivo Hispanico
LEONIDAS SOBRINO PORTO (✝) Faleceu no Rio de Janeiro o Professor Leônidas Sobrino Porto, presidente do Instituto Brasileiro de Cultura Hispânica da capital. Licenciado em Direito e línguas latinas na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Ele completou os estudos de doutorado em Filosofia na Universidade de Madrid como um erudito do Instituto de Cultura Hispânica, sendo o seu diretor da tese o don Dámaso Alonso. Ele praticava o ensino da língua espanhola e literatura em várias instituições brasileiras: Colégio Dom Pedro II, Faculdade de Santa Úrsula, Universidade Católica da Universidade Federal, e do Departamento de Espanhol da Educação e Secretaria de Cultura de Distrito Federal. Ele tem publicado vários trabalhos de crítica e estudos literários. Em 1968 ele publicou, em colaboração com a Professora Emilia Navarro, um texto moderno para o ensino de espanhol que carrega várias edições. Membro do Instituto Brasileiro de Cultura Hispânica desde a sua criação, foi eleito presidente do mesmo em 1964, tendo desenvolvido um trabalho brilhante e eficaz, tanto para o impulso que deu os cursos de espanhol, como para a determinação que sempre colocou na difusão da cultura espanhola. O ano passado estava em Madrid como parte da delegação brasileira que participou do I Congresso dos Ex-alunos e Estudantes Ibero-americanos em Espanha, convocada pelo Instituto de Cultura Hispânica. Descanse em paz, este grande amigo e colaborador inestimável.
Cláudio Gil – O semeador Leônidas Sobriño Pôrto
Para quem desfrutou do privilégio de conviver com Leônidas Sobrino Pôrto é difícil acreditar que êle partiu.
Perplexo diante da notícia e duvidando do fato, só usando de eufemismo: partiu. Ficou encantado, cativo em algum livro didáctico que tanto difundiu; ou alguma canção ou poema de Ruben Dario. Quem sabe, no poema “A lãs cinco en ponto de la tarde” de Garcia Lorca?
Uma coisa tenho como certa: êle avança firme e serenamente por sua estrada. E aqui não é eufemismo. Porque homens como aquêle não morrem. Morte sugere parada brusca, como o do seu grande, incomensurável coração; sugere fim, descanso eterno.
Em se tratando de Leônidas essas sugestões são absurdas, inexactas, simplistas e materiais. Leônidas não descansa nunca, porque mesmo em repouso caminha. Nunca distinguiu a noite do dia, na sua ânsia de semear.
Semear a verdade, a beleza e a justiça em cada sala de aula, em cada novo amigo.
Semear o amor em seus filhos, para reduzir a esterilidade das almas e a dureza dos corações que proliferam pelo mundo afora.
Semear a confiança e a alegria, onde só havia tristeza e temor.
Semear a luz da alfabetização num mundo desigual e cheia de trevas.
Êle não chegou à alegria da farta colheita, mas esse homem viveu e vive imenso número de vidas: é um pouco filho de cada mulher e um pouco pai de cada criança. Caminha por todas as estradas e em todos os sêres se sente viver, pela capacidade de amar o próximo e semear o bem. Pelas transformações que efectuou em pessoas e grupos.
Leônidas não morreu, porque vida como a sua, por mais curta que seja, não se distingue da imortalidade e seu dia é o infinito.
Ver-nos-emos em alguma curva do caminho quando direi: Você só nos deu um desgôsto: Partiu tão bruscamente, sem avisar nem nada! Isto não se faz.
Nota: Neste artigo aplicamos alguns conceitos de vida perfeita do pensador argentino Constancio Vigil.
Professor Domício Proença Filho
Domício Proença foi aluno do Professor Leônidas no Colégio Pedro II. Vendo em Domício grandes qualidades e propensão ao magistério, Professor Leônidas o incentivou e o indicou a diversos colégios, inclusive a seu primeiro emprego. Tornaram-se grandes amigos.
Recentemente, ao ser empossado como “imortal” na Academia Brasileira de Letras, Domício mencionou Professor Leônidas como seu incentivador. Evanildo Bechara, em seu discurso de recepção a Domício Proença Filho, também relembrou a importância do Professor Leônidas na formação do acadêmico:
“O velho Pedro II! Onde se sedimentaram amizades – irmãs para toda a vida, e onde também despontaram suas primeiras grandes admirações: Olmar Guterres da Silveira, o professor exemplar, o orientador, que lhe apontou o caminho da Faculdade de Letras; Afrânio Coutinho, primeiro deslumbramento diante da literatura brasileira, mestre e modelo; Leônidas Sobrino Porto, que lhe revelou o encantamento da língua e da literatura de Espanha.”
Rubem Alves
O novo professor, Leônidas Sobrinho Porto, entrou na sala sorridente e começou: – “Temos dois problemas preliminares para resolver. Primeiro, essa caderneta onde deverei registrar sua presença. Quero dizer que todos vocês já têm 100% de presença. Se não quiserem assistir às minhas aulas, não precisam. Eu lhes darei presença. Segundo: as provas que vocês terão de fazer para passar de ano. Quero dizer que não haverá provas. Todos vocês já passaram de ano. Resolvidas essas duas questões preliminares irrelevantes, podemos nos dedicar ao que importa: literatura…”.
Aí ele começou a falar coisas que nunca tínhamos ouvido. A literatura se encarnou nele. Ele ficou ‘possuído’ e começou a viver as grandes obras literárias bem ali, na nossa frente. Não pediu que comprássemos livros ou que lêssemos. Sabia que não sabíamos ler; só sabíamos juntar letras… Não tínhamos o poder para surfar sobre as palavras. Se fôssemos ler, a leitura seria tão mal feita que acabaríamos por detestar o que líamos. E ele, possuído, ia tornando vivas as obras literárias. Ficamos seduzidos. Ninguém faltava às suas aulas. Ninguém falava. Ao ouvi-lo, éramos tocados por sua autoridade mansa e maravilhosa.
Como professor e funcionário de um colégio, tinha autoridade para nos obrigar. Mas sabia que há coisas que não podem ser feitas com a autoridade de fora. As coisas que têm a ver com a alma só podem ser feitas com a autoridade de dentro. Bachelard escreveu em algum lugar que só se convence despertando os sonhos fundamentais. O professor Leônidas nos fazia entrar no mundo dos sonhos. Não precisava valer-se da autoridade exterior. Sua autoridade brotava de dentro e nós a reconhecíamos.
Fontes:
“A autoridade de dentro” por Rubem Alves – Revista Educação
http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/142/artigo234538-1.asp
“Sem notas e sem freqüência” por Rubem Alves – Revista Educação
http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/107/artigo233821-1.asp